sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A Democracia como fonte de Subversão

Queridos amigos, vou falar-lhe sobre a democracia como fonte de subversão e vou enfocar o tema, no plano doutrinal, através de três pontos de vista: teológico, filosófico e político. A democracia desde o ponto de vista teórico apresenta aspectos distintos para o teólogo, para o filósofo e para o político. Porém se a teologia, a filosofia e a ciência política se enlaçam em uma síntese unitária com um fundamento comum, então se observa, como estes diversos enfoques se enlaçam entre si por via da causalidade. De tal maneira que a premissa de ordem teológica determina, em certo sentido, as lógicas conseqüências de ordem filosófica, e estas a sua vez, determinam igualmente suas derivações pertinentes de caráter político. Vamos a comprovar-lhe. A democracia desde o ponto de vista teológico Talvez pareça entranho, tratar desde um ponto de vista teológico, uma matéria tão política como é a democracia. Recordando, porém, com Donoso Cortés que os grandes problemas políticos encerram sempre um problema teológico, me atrevo a descobrir a relação interna que media entre ambos os aspectos; o teológico e o político. E para isso nada melhor que penetrar na essência íntima da democracia. Disse Aristóteles que a democracia teve origem na crença de que sendo os homens iguais em alguns aspectos, o eram em todos. Esta crença, com o passar do tempo, transformou a democracia numa espécie de moda política, que hoje disputam todos os Estados, porém só podem sustentar aqueles que, como disse com certa ironia Louis Salleron, “se proclamam democratas com o beneplácito dos EUA e da Rússia”. Bem é verdade que o veredicto de ambas potências merecem pouco respeito, já que hoje todos se proclamam democratas, comunistas e anti-comunistas, socialistas e anti-socialistas, monárquicos e republicanos, esquerdas, centros, direitas civilizadas ou incivilizadas, e, ai daquele que não se prosterne ajoelhado ante o altar desta deusa tão extensa! Cairá num estante fulminado por seus raios como “ultra”, “imobilista”, “extremista”, “totalitário”. Eu, por minha parte, não duvido dos encantos da democracia. Talvez seja o maná escondido, que ao amanhecer como no deserto de Sinai, derrama um néctar misterioso que se acopla ao gosto de todos os paladares. Talvez seja a “panacéia universal”, um “ungüento amarillo”[1], o “abracadabra”, a “pedra filosofal” que resolve todos os problemas e remedia todos os males. O certo, porém, é que se nos fixamos nas formas externas de expressão, observaremos que com a democracia sobrevém a imundície, o ordinário, a baixaria e a vulgaridade a todos os níveis. E o que ainda é pior, se nos fixarmos nas formas internas de pensamento observaremos que com a democracia penetra a confusão, o desconserto e a desorientação nas idéias, nos juízos, na doutrina. Daí, que quanto mais se trata de definir com exatidão o conceito de democracia, tanto mais aparece dito conceito como ambíguo, equívoco e polivalente. Já sabeis que uma tese de doutorado apresentada na Universidade de Oslo, faz alguns anos, recorre a 300 definições de democracia. Analisando não obstante o substrato comum de todas aquelas definições, se comprova que seu centro de gravitação é o conceito de "liberdade". Segundo a significação e o conteúdo que dermos a este vocábulo obteremos um gênero determinado de "democracia". Cabe –- então -- a possibilidade de encontrar uma democracia singular, que possa hipoteticamente apresentar-se sem sua natural incoerência, porém é evidente que não pode merecer confiança um termo como “democracia” cuja polivalência conceitual permite o tráfego indiscriminado de todas as classes de mercadorias mentais. Por isso nós, ao reconhecer a possibilidade de encontrar uma democracia que possa se apresentar sem suas naturais incoerências, que foram conforme com a reta razão, insistimos que o característico da mesma, como a característica do liberalismo do qual deriva, não é o conceito de liberdade, senão a hegemonia ideológica da "liberdade", a expressão da "liberdade" como valor absoluto, como categoria suprema que não presta vassalagem a nenhuma outra, o enaltecimento do homem livre como centro e rei do universo, em uma palavra, o antropocentrismo. Depois, como a democracia, com independência de suas derivações políticas, sociais e econômicas, tem um marcado caráter de tipo teológico, já que implica, em seu mesmo conceito de liberdade um germe de rebelião contra Deus. Germe de rebelião que assoma no plano de seus promotores, quando a apresentam e a difundem, como a religião universal dos tempos modernos, religião que tem como dogma a fé no homem, e como rito, o “sufrágio universal”, fonte exclusiva de poder e soberania. A democracia se predica como um valor que transcende a pessoa e a sociedade em todas as suas dimensões como uma marca que imprime caráter, não só à política, senão em todas manifestações do espírito humano: à educação, à cultura, à ciência, à economia, à arte, à moda. Trata-se, em uma palavra, de criar algo sagrado, intocável, dogmático à escala universal, de tal maneira que chegue a substituir a Deus como explicação última do sentido da vida. Por isso dizia acertadamente Donoso Cortés que a democracia é o eco humano da rebelião do anjo caído. Esse eco se reflete na antítese que formula a doutrina liberal contra a palavra de Deus no Evangelho de São João capítulo 8 versículo 32: "a verdade vos fará livres." Quer dizer, a verdade engendra à liberdade, palavras que o liberalismo perde de revés com estas outras: a liberdade engendra à verdade. E como os efeitos participam da natureza de suas causas, e a liberdade é pessoal, subjetiva, variável, a verdade que ela fabrica e elabora terá seus mesmos caracteres. Não será, portanto objetiva, senão subjetiva, não será absoluta, senão relativa, não será imutável, senão variável, não será "a verdade", senão "minha verdade" , "tua verdade", "sua verdade". Dessa maneira a faculdade intelectiva fica subordinada à volitiva, o entendimento à vontade, a luz às trevas, a ordem objetiva à ordem subjetiva. Alcançamos o relativismo, e com o relativismo o ceticismo. Essa é a origem corrosiva e devastadora do liberalismo, cuja expressão multifacetada é a democracia. Seus efeitos são denunciados pelo mesmo Donoso Cortés nestes termos: “Assim como a palavra de Deus retamente interpretada é a única capaz de dar a vida, assim também essa mesma palavra desfigurada, mal interpretada, é capaz de produzir a morte.” Recordar, por exemplo, a transformação de conceitos sagrados que opera o progressismo eclesiástico: o salvador se transforma em libertador do proletariado, a salvação da alma em salvação de servidões econômicas, a caridade virtude teologal em amor humano e filantropia, o reino espiritual de Cristo em reino temporal e terreno, a dimensão vertical até Deus em dimensão horizontal até a humanidade, o teocentrismo em antropocentrismo. Pois bem, o liberalismo, igualmente, ao desfigurar, ao inverter as palavras de Jesus Cristo, ao fundar a verdade na liberdade e não a liberdade na verdade, produz a morte na ordem real objetiva, e como conseqüência, a morte da ordem política, social e econômica. Aí está a democracia desde o ponto de vista teológico: a rebelião da liberdade contra a verdade; a rebelião do homem contra Deus. Vejamos agora a democracia desde o pondo de vista filosófico. Essa subversão, de cunho teológico que antepõe a liberdade à verdade, engendra, como conseqüência, uma segunda subversão, que cabe qualificar como filosófica, por cuja virtude o homem antepõe sua liberdade aos princípios ou lei que conformam sua mesma natureza. Em efeito, a concepção de homem bipolar, individual, que vincula Deus como seu fim último e social que lhe vincula a sociedade como fim mediato e instrumental, fica desvirtuada em sua projeção individual por Lutero e Descartes, inspiradores do liberalismo, e em sua projeção social por Hobbes e Rousseau, seus realizadores. Vejamos como: Lutero emancipa o homem de Deus porque no binômio da salvação vontade-graça, binômio que em definitivo resolve o destino do homem para eternidade, subtrai a vontade à graça, fazendo desta responsável exclusiva da salvação e outorgando aquela a autonomia procedente do Livre-Exame. Já se há dado o primeiro passo: a vontade humana é autônoma. Descartes emancipa do entendimento da obra de Deus, da Criação, porquanto que no binômio da verdade “adequatio rei ad intellectus” substrai o entendimento à realidade objetiva já que a inteligência não obtém a verdade submetendo-se a realidade, senão criando-a, fabricando-a. Já se há dado o segundo passo: não só a vontade, senão também o entendimento e autônomo, se dita suas próprias leis. Estamos pois, ante a autonomia absoluta intelectual e volitiva do homem, temos alcançado portanto o primeiro dogma do liberalismo: a “liberdade”. Porém, ao mesmo tempo, temos desligado o homem de seu fim próprio, o verum para o entendimento, o bonum para a vontade, e como o fim individualiza a pessoa enquanto aos atos, temos privado a este de sua autêntica dimensão individual. Ora bem, se a pessoa é autônoma e independente de Deus, também o será a sociedade, que não é mais que a projeção dos homens em sua faceta comunitária não é mais do que faz Hobbes quando no binômio da liberdade, direito humano direito divino, desliga a lei humana da lei divina natural, fica a sociedade desprovida de fundamento divino, Rousseau então extrairá as últimas conseqüências e, ao deixar a sociedade sem fundamento divino, a fundará sobre fundamento humano, será o pacto, a livre convenção. E como não pode haver convenção livre entre partes sem certa igualdade entre as mesmas, chegamos através do pacto ao segundo dogma do liberalismo: a “igualdade”. Mas como a igualdade supõe hierarquia, e sem hierarquia não pode haver sociedade, temos conseguido através da igualdade a eliminação a autêntica dimensão social da natureza humana. Temos, pois, conquistado a democracia, com a democracia, a incoerência, a contradição. Primeiro porque nos predica a “liberdade” e nos impõe dois “dogmas” intangíveis: “liberdade” e “igualdade”. Segundo, porque ambos “dogmas” são contraditórios entre si, já que a liberdade com igualdade equivale a sua mesma limitação, e a igualdade com liberdade equivale a sua negação. E terceiro, porque se funda no direito da vontade individual sanciona tantos direitos como vontades, e se funda o direito na vontade geral, em primeiro lugar o monta em um mito; e em segundo lugar a ser admitido esse mito se produziria um antagonismo entre dois antagonismos absolutos, e por absolutas, incompatíveis entre si. A soberania da vontade individual e a soberania da vontade geral. A democracia como vêem na ordem filosófica: é pura contradição. Todavia Maritain, “lumen” inspirador do progressismo eclesiástico e pai da democracia cristã, em um esforço supremo em conciliar dois opostos extremos incompatíveis entre si como são liberalismo e cristianismo, inventa a teoria do “Humanismo Integral” com seus dois princípios de “ação”, um que relaciona o homem com Deus no âmbito interno e privado e outro que relaciona o homem com a sociedade no âmbito externo e público. E dessa maneira, Deus, relegado ao campo da consciência pessoal, fica eliminado das relações sociais, como qual, com passos graduais, chegamos ao Estado laico. É um novo paradoxo da democracia, através de cristãos na esfera privada se constrói na esfera pública uma sociedade e um Estado anticristão. Assim se explica que um rei como João Carlos I, católico no âmbito privado, promulgue em público uma constituição ímpia e atéia. E que ministros que se proclamavam católicos, como Cavero y Landelino Lavilla, submetam ao congresso de deputados uma lei do divórcio que infringe a lei divina, natural e positiva. De maneira que como um rei católico, com ministros católicos, começou a se criar na Espanha uma sociedade e um Estado anti-católico. Tal é a genialidade de Maritain, mente tão sutil como contraditória, convertido do protestantismo, nunca terminou de assimilar o cristianismo, volta sempre da raiz de onde brotou. Passemos por último a examinar a democracia desde o ponto de vista político. Ao que dizem os filósofos “ab absurdo sequitur quodlibet”, e, portanto, que “o erro não é conseqüente com sigo mesmo”, devemos admitir -- não obstante -- que às vezes existe certa união lógica entre os erros, neste caso, entre o erro teológico, filosófico e político. Já que o liberalismo ao antepor a ordem teológica a “liberdade” a “verdade” de forma em ordem filosófica a hierarquia de fins na mesma da natureza humana como conseqüência de forma também na ordem política, a armação natural da sociedade. Daí o enfrentamento que promove o liberalismo contra as redes espontâneas das forças sociais que constituem a estrutura política da sociedade segundo a ordem estabelecia por Deus, porque é o autor da natureza. O que para por um lado evitar os excessos da liberdade individual e por outro lado os excessos da autoridade colocou entre ambos, por evolução natural da sociedade, umas molas de amortecimento que se chamam “corpos intermédios”. Essas forças sociais, naturais, fazem impossível um encontro frontal entre o Estado e o indivíduo, entre o gigante e o anão, entre eles se interpõe aquelas barreiras que protegem a pessoa e a imunizam contra os abusos do poder. Os impactos, então, da ação estatal, não recaem sobre as moléculas sociais como uma tempestade que devasta e destrói senão como água remansa e canalizada através daquelas instituições intermédias que deve atravessar que fazem o ofício de filtro para purificá-la e suavizá-la. Não é tão fácil então nenhum Estado totalitário que possa atomizar as pessoas, nem tão pouco um Estado liberal onde a liberdade individual é transformada em libertinagem e anarquia podem acabar com os cimentos da autoridade, porque, tanto num caso como em outro, se interpõem entre ambos aqueles diques de contenção que são as corporações sociais naturais. Por ele, os corpos intermédios e a ordem social, são dois conceitos vinculados tão estreitamente entre si que não é possível uma ordem social natural, uma ordem social artificial, produto da coação, é possível. Porém uma ordem social natural não é possível sem corpos intermédios. Nem pode haver corpos intermédios senão dentro de uma escala entre cujos termos ou extremos opostos desenvolvam sua existência. Daí que a sociedade sem corpos intermédios que patrocina o liberalismo, a sociedade democrática do sufrágio universal, dos partidos políticos, do homem-número, do indivíduo-voto, é uma sociedade invertebrada, orgânica, achatada, dispersa em átomos individuais, em multidões amorfas, é uma sociedade diluída em uma massa despersonalizada, presa fácil da demagogia para enfrentá-la contra o poder e também presa fácil da fraude e do engano para explorar através do poder. E nessa sociedade despersonalizada e inorgânica que anula toda possibilidade de estruturação hierárquica através dos corpos intermédios haja liberalismo econômico o campo propício para o desenvolvimento de seus postulados doutrinais, postulados que ao inverter a escala de valores sociais estabelecida por Santo Agostinho em De Libero Arbítrio livro 1 capítulo 15 : “Não só impregnam a vida de sentido materialista, senão que terminam resumindo à economia a razão última explicativa do homem.” Como se a pessoa fosse substancialmente “animal econômico” e não “animal racional”. A economia liberal baseada no princípio “solve et coagula”: dissolve e coagula, quer dizer, despersonaliza e massifica, promove a separação do homem de seu meio familiar e social, o desprende dos vínculos que o protegiam, lhe deixa indefeso, sem personalidade e sem responsabilidade e, desta maneira, o integra sem resistência em uma massa amorfa que pode manipular ao seu arbítrio. Esse liberalismo econômico, essa democracia que prega como critério supremo a rentabilidade, condena em nome de dito critério soberano, a pequena exploração agrícola familiar, a pequena oficina, o pequeno comércio, o pequeno mercado, todos os quais acabam asfixiados pelas grandes explorações agrícolas e florestais, pelos grandes complexos industriais, pelos grandes armazéns, pelos supermercados, pelos hipermercados. Em nome desse critério soberano se elimina o patrimônio familiar e as pequenas propriedades, se engrossa a massa de assalariados, e se rende culto idolátrico à produção e ao trabalho. Em nome desse critério soberano se cria o capitalismo anônimo liberal que desvincula o capital das mãos de seus proprietários e os funde no anonimato das grandes potências financeiras, nacionais ou multinacionais. Elas são as inventoras das sociedades industriais, e de seu indispensável suporte: “as sociedades de consumo” como categorias únicas que dividem ao corpo social em massa de produtores e de consumidores. A esse triste papel de produtor ou consumidor, fica degradada a dignidade humana. Essa é em último termo a liberdade que prega a economia liberal; e assim fica o caminho para expandir seu monopólio de tirania sobre essa massa de produtores e de consumidores. Em nome – finalmente -- desse critério soberano, o capitalismo anônimo se transforma em capitalismo da especulação, indústria do dinheiro e para o dinheiro, com o qual tudo se compra e tudo se conquista, incluso o mesmo Estado, que é sua meta final. Assim se produz a confusão do poder econômico com o poder político e sobrevém o totalitarismo, conseqüência última dos princípios liberais, conseqüência igualmente última de uma desordem cuja raiz se acha na exaltação da liberdade fora de seus limites, esta limitação que comporta na ordem teológica a alienação em relação a Deus, e na ordem filosófica a alienação em respeito ao homem e na ordem política, a alienação em relação á sociedade. Da desordem teológica se segue a desordem filosófica, e desta a desordem política. Três planos consecutivos: teológico, filosófico e político. Três provas eloqüentes que abonam; primeiro a rebelião contra Deus; segundo a rebelião contra a lei de Deus no homem; terceiro a rebelião contra a lei de Deus na sociedade. Provas eloqüentes que determinam e demonstram que o liberalismo, como a democracia que é seu reflexo, constitui a base, o fundamento, da subversão. As idéias que acabo expor não estão na estratosfera do pensamento, senão que são dinâmicas tendem a realizar-se ao baixar ao campo social, a revestir-se de carne e osso, uma vez que penetram dentro da sociedade e que adquirem a maturidade suficiente, são as que produzem, de fato, os grandes cataclismos, as grandes revoluções, nacionais e internacionais, porém isso poderia ser objeto de outra conferência. A demonstração de que a democracia não só no plano doutrinal, senão no plano real e social, é fonte de subversão. Nada mais. [1] Nota do Tradutor: "ungüento amarillo": remédio pastoso recomendado para todos os males.

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