“O
limbo das crianças é uma conclusão teológica que não é de Fé divina mas somente
de Fé eclesiástica, segundo a classificação que me foi outrora ensinada no
Seminário” (Pe. Sulmont).
Sentimos muito ter que dizer que
o Pe. Sulmont é aqui “categórico” e que está em erro, e isso por vários
motivos. O limbo é, realmente, uma conclusão teológica, mas não uma conclusão
teológica de Fé eclesiástica, sem que a Igreja tenha ainda se pronunciado sobre
a questão (e veremos por que) de maneira solene e definitiva. Contudo, fosse a doutrina
sobre o limbo de Fé eclesiástica, como crê nosso leitor, sua certeza seria
“infalível como nos casos dos verdadeiros dogmas” (L. Ott Compendio di
teologia dogmatica, Marietti 1955 p.22) e, portanto, o argumento segundo o
qual o Limbo “não seria de Fé divina mas somente de Fé eclesiástica” não
tem nenhum peso, em realidade.
SENTENTIA
AD FIDEM PERTINENS
“Dito de outra forma, o limbo
não faz parte da Revelação contida no Evangelho” (Pe. Sulmont).
Infelizmente, não estamos de
acordo com nosso reverendo leitor. O limbo é uma conclusão teológica como,
aliás, ele mesmo o diz e, por conseguinte, justamente por ser uma conclusão
teológica, é uma verdade virtualmente ou implicitamente revelada, como o ensina
qualquer manual de teologia: “Chama-se conclusão teológica uma verdade
religiosa deduzida de duas premissas, das quais uma é formalmente revelada e a
outra é conhecida unicamente pela razão. Sendo tais verdades derivadas de
uma raiz da Revelação, são ditas virtualmente reveladas
(virtualiter revelatae)” (Bartmann Manuale di teologia dogmática, vol. I, ed. Paoline 1949, p. 20).
Por esta relação teológica com a
Revelação divina, a conclusão teológica, antes mesmo de ter sido pronunciada
definitivamente pela Igreja, é chamada "sententia ad fidem pertinens”,
sentença que pertence à Fé. Não seremos, portanto, tão categóricos para
concluir como nosso leitor que “o limbo não faz parte da Revelação, contida
no Evangelho”.
Uma opinião “muito singular”
“O limbo, ou melhor, as
franjas do reino de Deus, existe na terra, para a Igreja, antes que a
evangelização se tenha realizado plenamente em seus fiéis” (Pe. Sulmont).
E é assim que os limbos são
completamente negados. Não se trata aqui, de fato, do destino das crianças
mortas sem Batismo e que seus pais tenham desejado batizá-las, trata-se sim da
própria existência do limbo. Não vemos como essa opinião totalmente pessoal,
que situa o limbo “aqui em baixo”, sobre a terra, possa conciliar-se com o
Evangelho: “Ninguém, se não renasce da água e do Espírito Santo, pode entrar no
Reino de Deus” (Jo. 3,5), e com dois mil anos de reflexão teológica “in
eodem sensu et eadem sententia” sobre a sorte das crianças mortas sem
Batismo e com os documentos do Magistério infalível da Igreja. Se o limbo
existe somente “aqui em baixo” e não existe depois da morte, quer dizer que
jamais haverá o caso de almas que morrem unicamente com o pecado original, mas
somente almas dignas ou do Céu (com seu anexo, o Purgatório) ou do Inferno, por
terem morrido não somente com o pecado original, mas também com pecados
pessoais. As definições infalíveis da Igreja, ao contrário — todas sem exceção
— consideram certo que existem almas que morrem somente com o pecado original:
na profissão de Fé de Michel Paleólogo e em todas as profissões de Fé impostas
aos orientais (Dz. 387, 588, 870, 875), no Concílio de Lyon e no de Florença
(DB 464) distingue-se sempre entre os que morrem em estado de pecado mortal e
os que morrem “somente com o pecado original” (isto é, as crianças e os
dementes não batizados). Daí a conclusão lógica, tirada pelos teólogos, da
existência de um lugar especial que acolhe essas almas depois da morte.
Além disso, uma vez negado o
limbo depois da morte com a finalidade de salvar as crianças cujos pais
desejaram ardentemente o batismo, faltaria estabelecer onde vão terminar as
outras crianças, inclusive as dos infiéis, cujos pais não desejaram batizar,
nem mesmo vagamente. Não chegaríamos, por este caminho, a negar a própria
verdade revelada, da qual o limbo não é senão uma conseqüência lógica, a saber,
a necessidade absoluta do Batismo para todos? Ficaremos por aqui. Acrescentemos
somente que a Igreja, hoje, sofre com opiniões “muito pessoais”. Evitemos, nós
que queremos ser filhos fiéis da Igreja, dela sair.
Uma pergunta desrespeitosa para com o
Magistério e a teologia católica
“Guardei
a lembrança da morte de parto de uma mãe há alguns anos, [...] O senhor pensa
que Deus possa abrir o céu à mãe, [...] e fechar a
porta ao seu bebê, enviando-o a algum outro lugar?” (Pe. Sulmont)
Essa pergunta nos parece, antes
de tudo, e é o menos que se pode dizer, desrespeitosa para com tantos grandes
teólogos católicos (incluindo Santo Agostinho e São Tomás de Aquino), como para
com a Igreja que – como se exprime Pio XII em Humani Generis — “deu
com sua autoridade, uma aprovação tão notável a sua teologia”. De fato,
esses grandes teólogos — e a Igreja com eles — não se teriam dado conta de que
o limbo faz injustiça à ... bondade de Deus! Na realidade, os grandes teólogos
bem sabiam que a visão direta de Deus é um dom totalmente gratuito (ninguém tem
“direito” à graça e à glória), que ultrapassa infinitamente as exigências e as
aspirações da natureza humana (coisa negada pela “nova teologia”) e que não é
permitido, portanto, pedir contas a Deus quando Ele não concede a alguém as
alegrias do Céu que, apesar de querer dar a todos, não deve a ninguém. Nossa
geração orgulhosa parece ter esquecido isso, mas a palavra de Deus está aí para
nos lembrar: “Ó homem, quem és para altercar com Deus? Será que o vaso de
argila diz a quem lhe deu a forma: Por que me fizeste assim? O oleiro não é
dono da sua argila, para fazer da mesma massa um vaso de honra e um vaso de
ignomínia?” (Rm 9, 20-21). Ou ainda: “Não fostes vós que me escolheram,
mas eu que vos escolhi” (Jo 15, 16) recordado pelo Pe. Sulmont na conclusão
de sua carta e que é uma das várias passagens evangélicas que afirmam a
soberana liberdade de Deus no plano da salvação. (Lembremo-nos também de: “Não
sou livre de fazer dos meus bens o que quero?”, do dono da vinha, na
parábola dos operários da última hora).
É certo que Deus quer que todos
os homens se salvem, mas o quer com uma vontade condicionada, não absoluta
(como o quereria, contrariamente, a “nova teologia”), isto é, Ele o quer com a
condição que os homens e as causas segundas, em geral, concorram para a obra de
salvação e, se esse concurso falta, Deus não intervém distribuindo milagres,
para enviar todos os homens ao Paraíso, a qualquer preço, violando a liberdade
humana, mas deixa as causas segundas seguirem seu curso. Por isso muitas
crianças morrem sem Batismo por negligência culpável dos pais e de outras
pessoas (no caso exposto pela leitora, por falta de equipe médica precedente
que não transmitiu à nova equipe a vontade da mãe). E mesmo se a negligencia
não é evidente, como nesse caso, sempre se poderia procurar uma
responsabilidade — segundo a hipótese plausível de um teólogo — na falta de
utilização de todas as graças atuais que Deus distribui aos homens para que se
cumpra perfeitamente seu plano de salvação. Com isto, não pretendemos que a
questão esteja completamente resolvida: ela permanece sempre misteriosa para o
homem porque, no fundo, trata-se de uma desigual repartição de graças,
desigualdade da qual Deus se reserva o segredo. O que está dito, no entanto,
basta para estabelecer que a existência do limbo não põe em questão a justiça,
nem a bondade divina. Tanto é assim que, segundo o julgamento comum dos
teólogos, se as alegrias do Céu são recusadas às almas do limbo (elas não lhes
são devidas), as alegrias naturais, as mais elevadas, não se lhe são, no
entanto, recusadas, alegrias que lhes asseguram uma felicidade pelas quais não
cessam de agradecer a Deus.
Uma doutrina consoladora
Realmente, a reflexão teológica
sobre os limbos, se estes são bem conhecidos (o que não parece o caso, segundo
as cartas recebidas) oferece vários motivos de consolação aos pais cristãos
aflitos.
É certo que as almas do limbo
sofrem objetivamente a pena do pecado original, que é “a privação da
visão de Deus” (Inocêncio III, Dz. Enchiridion n° 341), mas é de
julgamento comum dos teólogos que a justiça divina não permite que elas a
sofram subjetivamente. Já havia dito Santo Agostinho que sua pena “é
entre todas a mais doce” “omnium mitissima” (a dureza ulterior do
doutor de Hipona é devida à controvérsia pelagiana). Foi em seguida,
aprofundando a natureza do pecado original, que nos descendentes de Adão tem um
caráter não de falta, mas de privação da graça, que os teólogos precisaram melhor
a natureza da pena do limbo, puramente privativa também, e não aflitiva.
Seu julgamento é assim ilustrado
e defendido por São Tomás: “a mesma razão vale para a ausência de sofrimento
sensível e para a ausência de sofrimento espiritual (para as crianças
mortas sem Batismo).
É sempre o gozo ilegítimo que
merece sofrer, e o pecado original não o comporta: há, portanto, isenção de
todo sofrimento.
A terceira opinião admite que
as crianças possuem um perfeito conhecimento de tudo o que pode ser conhecido
naturalmente, sabem que estão privadas da vida eterna e sabem a razão, e, no
entanto, não experimentam nenhum sofrimento. É o que se precisa explicar.
A ausência de uma perfeição
que o excede, não aflige aquele cuja razão é reta (é o caso das crianças
mortas sem Batismo), por exemplo, não poder voar como os pássaros, não ser
nem rei nem imperador, porque não há nenhum direito a isso; mas ele devia
afligir-se por ser privado de um bem que lhe é proporcionado e ao qual é apto.
Digo, pois, que todos os homens no uso de seu livre arbítrio são capazes de
obter a vida eterna, porque podem preparar-se à graça, que é o meio para isso.
Desde então, se faltam a ela, conservarão uma soberana dor por ter perdido o
que eles poderiam possuir. Ora, essa capacidade sempre faltou às crianças: a
vida eterna não lhes era devida por natureza, da qual excede totalmente as
exigências, e por outro lado, não poderiam praticar nenhum ato pessoal, que as
fizesse merecer tão grande bem. Portanto, elas não se afligem de nenhuma maneira
por não ver a Deus, e de outra parte, gozam por participar em grande parte do
bem do qual Deus é a fonte e possuir todos os dons naturais que recebem Dele.
Não se pode atribuir-lhes a
capacidade de obter a vida eterna por uma ação pessoal e nem tão pouco por uma
ação externa; não se pode dizer que elas poderiam ter sido batizadas, como
muitas outras o foram, e que assim viessem a gozar da visão de Deus. Porque,
ser recompensado por uma ação que não é pessoal é o efeito de uma graça
totalmente particular, que as crianças não se entristecem de não ter recebido,
assim como um homem sensato não se entristece por não ter recebido muitas
graças concedidas por Deus a outros homens”. São Tomás App.q.2 a.2.
Tradução francesa: Revue des Jeunes, suppl: q.70 bis art.2).
Em suma, se o limbo não é o
Paraíso, também não é o inferno dos danados e, se lá as almas não gozam da
visão beatifica, gozam, não obstante, de uma felicidade acidental secundária,
possuindo sem dor bens naturais, de nenhum modo desprezíveis, e em primeiro
lugar o conhecimento e o amor natural de Deus, como o explica São Tomás.
“Apesar de que as crianças não
batizadas estejam separadas de Deus, no que concerne à visão beatifica, elas
não estão completamente separadas Dele. Ao contrário, estão unidas a Deus pela
participação nos bens naturais e podem assim gozar Dele também pelo
conhecimento natural e o amor natural” (In IV Sent. I.II, dist. XXX, q.II a.2 ad.5).
Suarez, por seu lado, diz que as
crianças mortas sem Batismo amam a Deus com um amor natural, acima de todas as
coisas e gozam por estarem ao abrigo de todo pecado e de todo sofrimento (De
peccatis et vitiis disp. IX
sect VI).
Lessius diz que elas possuem um
conhecimento natural perfeito das coisas materiais e espirituais que as leva a
amar soberanamente a Deus, mesmo se se trata de um amor natural, a abençoá-Lo e
louvá-Lo por toda eternidade (inclusive por tê-las poupado do combate
terrestre, cujo resultado é sempre incerto) (De perfect divin. 1 XII c.
XXII n° 144 ss).
O cardeal Sfondrati acrescenta
que “Esse benefício da inocência pessoal e da exceção do pecado é tão grande
que essas crianças prefeririam ser privadas da glória celeste a cometer um só
pecado; e todo cristão deve ser desta opinião [como o foram, de fato, os
Santos]. Portanto, não há lugar para queixas nem aflição a propósito dessas
crianças, mas antes, convém louvar a Deus e agradecer-Lhe a esse respeito”
(Nodus praedestinationis dissolutus, Roma 1687, p. 120).
Como é evidente, para consolar os
pais cristãos, aflitos com a morte de seus filhos sem Batismo, não é, de modo
nenhum, necessário negar a existência do limbo; basta simplesmente instruí-los
sobre sua doutrina. Gostaríamos também de lembrar aqui que o cônego Didiot, da
Faculdade teológica, se diz “inteiramente disposto a crer que as relações
entre o céu dos eleitos e o limbo das crianças são possíveis e mesmos
freqüentes; que o laço de sangue conservará sua força na eternidade, e que a
família cristã, reconstituídas no céu, não será privada da alegria de reencontrar
e amar seus queridos participantes de um dia” (Mortos sem Batismo,
Lille 1896 p. 60). Essa é somente uma hipótese pessoal e o autor a tem por tal,
mas é uma hipótese que se harmoniza com o dogma e a doutrina tradicional.
Pelos méritos de Cristo e não dos Santos
“Parece-me
que a solução do limbo não leva suficientemente em conta o dogma da Comunhão
dos Santos que está no Credo. [...] Os méritos dos santos não podem ser
atribuídos, com prioridade, aos membros de sua família natural e àqueles que eles
amaram na terra?” (Pe. Sulmont)
Esta observação também é um
agravo aos grandes teólogos da Igreja e a Ela mesma que não se teriam dado
conta, todos, que a conclusão teológica sobre o limbo não está bem de acordo
com o “dogma da Comunhão dos Santos que está no Credo”. Na realidade os grandes
teólogos não estavam esquecidos, como parece esquecer-se nosso leitor, que a
primeira graça (conferida justamente pelo Batismo e restituída eventualmente
pela Confissão) é concedida pelos méritos de Cristo e não dos Santos e que a
Revelação divina associa absolutamente a primeira graça ao Batismo (Jo 3, 5).
Esse Batismo de água pode ser substituído pelo de sangue, como no caso dos
santos inocentes, assassinados pelo ódio a Cristo, ou pelo de desejo que,
consistindo em atos pessoais de Fé e de contrição, não pode, no entanto, ser
dado aos recém nascidos (nem aos dementes).
Não nos foi dado a conhecer
outros meios de salvação, e é com justiça que os teólogos, unânimes, dizem que
a uma lei tão geral e tão universal, revelada por Deus, como a do Batismo, não
se pode admitir nenhuma exceção, se o próprio Deus não revelar a existência
desta exceção (Sacrae theologiae Summa cit. e Dicionário de teologia
católica, palavra batismo e limbo). Aí está porque todas as hipóteses sobre
a questão, inclusive as piedosas, acabam por basear-se somente em razões de
sentimento e carecem de fundamento sólido: “solido quidem fundamento carere”,
como declara a seu respeito o Santo Ofício no Monitum de 18 de fevereiro
de 1958 (AAS 50/1958, 114).
O julgamento universal
Acreditamos ter assim respondido
igualmente à segunda carta. Falta-nos somente responder a pergunta sobre o
julgamento final. A questão não foi ignorada pela teologia católica. É verdade
que o Evangelho sobre o julgamento final nada diz daqueles que não terão tido a
possibilidade de “fazer ou não fazer”, mas não é permitido, de modo nenhum,
deduzir daí que eles não existem. Para prová-lo há os documentos do Magistério
infalível da Igreja, única à qual é dado explicar o verdadeiro sentido das
Escrituras.
Esses documentos, já mencionamos,
colocam sempre numa categoria à parte, distinta dos bem-aventurados e dos
danados, as almas que morrem “somente com o pecado original”, quer dizer,
aqueles que, como as crianças ou os dementes, não tiveram a possibilidade de
agir ou não agir em função da sua vontade livre e esclarecida. Se não se faz
menção dessas almas no julgamento geral é simplesmente porque esse julgamento
não lhes diz respeito: elas não serão julgadas, porque não há nada para julgar,
uma vez que estas almas não tiveram a possibilidade nem de merecer nem de
desmerecer. É por isso que, segundo alguns teólogos, as almas do limbo nem
mesmo assistirão ao julgamento final e, ignorando a felicidade dos eleitos, não
sentirão nenhum pesar. Segundo outros, ao contrário, elas terão conhecimento da
felicidade dos eleitos, mas igualmente não sentirão desgosto, estando sua
vontade perfeitamente conforme à vontade divina, que eles sabem ser sensata,
justa e boa; ao contrário, vendo a danação dos reprovados, alegrar-se-ão por
seu estado e agradecerão à bondade divina de lhes haver poupado
misericordiosamente a prova terrestre, que pode terminar com o céu, mas também
com o inferno (do qual os danados ficariam bem contentes se as portas do limbo
se abrissem para eles). Segundo Santo Tomás e os tomistas, ao contrário, mesmo
se as almas do limbo assistissem ao julgamento geral, a Providência continuaria
misericordiosamente mantendo-os na ignorância da felicidade dos eleitos. Todos
os teólogos, sejam quais forem, estão de acordo sobre o seguinte: que o texto
do Evangelho acerca do julgamento final não põe obstáculo à conclusão teológica
sobre o limbo.
Uma fácil conclusão
A Igreja, com razão, insiste no
seu ensinamento sobre o dever de batizar as crianças o mais rápido possível
(D.B. 712). O limbo, de fato, mesmo se não é um lugar de sofrimento, mas de
prazer estimável, não é, no entanto, o Paraíso, ao qual Deus chama todos os
homens. Não é nem mesmo um paraíso natural, porque as almas suportam aí, ainda
que sem sofrimento, um dano real, provocado pelo pecado original: a privação da
visão direta de Deus. Essa insistência justa da Igreja [sobre o Batismo precoce
das crianças] não deve, no entanto, levar a comparar a danação das almas do
limbo à danação dos reprovados, por que isto seria contrário ao Magistério
infalível da Igreja, que os distingue bem. Tão pouco deve levar a considerar o
limbo como um lugar de aflição, apesar de diferente do inferno, porque a Igreja
não ensina e jamais deixou de ensinar assim, e à doutrina de Belarmino, que
queria ver nas almas das crianças uma leve tristeza pela bem-aventurança
perdida, ela claramente preferiu a doutrina que expusemos aqui.
A “nova teologia” contra o limbo
Se os neo-modernistas não tivessem
feito abortar, desde seu começo, o Concílio Vaticano II, a doutrina consoladora
sobre o estado das almas no limbo seria hoje realmente de Fé eclesiástica (como
supõe erradamente nosso leitor) e, portanto, sua certeza seria “infalível como
no caso dos verdadeiros dogmas” (L. Ott. cit.).
No esquema preparado pela
comissão teológica, lê-se: “O concílio declara vão e sem fundamento todos os
julgamentos segundo os quais se admite para as crianças um meio [para
atingir a visão de Deus] diferente do Batismo realmente recebido. Todavia,
não faltam motivos para considerar que elas gozarão eternamente de uma
felicidade conforme seu estado”.
Com isto o Concílio teria
encorajado o aprofundamento teológico sobre o estado de felicidade acidental e
secundário das almas no limbo, e teria fechado a porta à busca de outros meios
de salvação diferentes do “Batismo realmente recebido”, busca essa que
na véspera do Concílio tornou-se ainda mais inquieta e inquietante sob o
impulso da “nova teologia”. Esta conclusão está, aliás, perfeitamente de acordo
com diferentes textos do Magistério infalível, tais como, por exemplo, o
decreto Pro Jacobitis do Concílio de Florença (retornado em seguida pelo
Concílio de Trento), no qual se lê: “Cum ipisis (pueris) non possit alio
remedio subveniri nisi per sacramentum baptismi... admonet... quamprimum
commode fieri potest, debere conferri” (DB 712). “Porque as crianças só
podem ser socorridas pelo Sacramento do Batismo... (a Igreja) adverte
severamente... que ele deve ser administrado logo que for possível fazê-lo sem
problemas” (e Pio XII lembra também essa doutrina, no seu famoso discurso às
mulheres parteiras). Infelizmente, esta conclusão definitiva não foi adotada
pelo Concílio, por causa do desvio que lhe impôs a minoria modernista, e os
neo-modernistas aproveitaram dessa falta de definição para definir a questão no
pós-concílio, à sua maneira... ou seja, eliminando o limbo, somente pelas
seguintes razões:
1) ele contraria a heresia de De
Lubac e de “sua turma” que, desenterrando o modernismo condenado por São Pio X,
queriam que o sobrenatural (portanto a visão beatífica) não fosse um dom
absolutamente gratuito, que Deus não deve a ninguém, mas ao contrário, que
fosse qualquer coisa de devido, porque é um aperfeiçoamento da natureza humana
(v. SiSiNoNo de 15/2/1993 p.3).
2) a existência do limbo está
igualmente em desacordo com a outra heresia, própria da nova teologia, que quer
a salvação incondicional de todos os homens, fiéis e infiéis, batizados ou não
(V. SiSiNoNo de 15/4/1993, pp. 1 ss).
Apesar disso, o texto preparado
pela comissão teológica permanece aqui para testemunhar, se for necessário, que
na véspera do Concílio a doutrina sobre o limbo era comumente professada pelos
Pastores, teólogos e fiéis e que somente a revolução modernista perturbou (e
encontramos o eco dessa perturbação nas cartas que recebemos) a possessão
tranqüila dessa conclusão teológica, tão notavelmente resumida, justamente na
véspera do Concílio, pela Enciclopédia Católica: “III. O Limbo das Crianças
— Existe ainda, segundo a teologia, o limbo das crianças, isto é, o estado e o
lugar das crianças não batizadas, mortas sem o uso da razão, sem a remissão do
pecado original. Não estando em condições, por sua idade, de praticar atos de
Fé e de contrição (Batismo de desejo), elas não podem ser libertadas da falta
original senão por meio do Batismo, conferido in ‘fide Ecclesiae’, não o
recebendo, ‘elas não renascem na água e no Espírito Santo’ (Jo. 3,5) e portanto
não são admitidas no Reino de Deus: não terão entretanto, nenhuma pena, ao
contrário, segundo a opinião comum dos teólogos gozarão de certa
bem-aventurança natural. Como diz São Tomás: ‘elas serão felizes, participando
amplamente da bondade divina nas perfeições naturais’ (II Sent. d.33 q.11. a.2;
cf. d.45, q.1, ª2: Suma Teológica supl. Q. 79. a.4). essa concepção teológica,
apesar de não ser explícita [mas implícita, sim], nas Sagradas Escrituras, está
fundada sobre a justiça de Deus, a qual não pode infligir castigos pessoais a
quem não possui pecados pessoais. Logo, a sorte das crianças mortas sem
Batismo, como observa São Gregório de Nissa (PG 46.177-80), deve-se distinguir
da dos adultos que, por falta própria, desdenharam o Batismo; contudo, elas não
serão admitidas à felicidade sobrenatural, como pensavam os pelagianos contra
os quais se pronunciaram, o Concílio de Cartago em 418 (Dez. U. 102 note4) e
Santo Agostinho (De anima e eius origine, 12, 17: PL 44. 505). O limbo das
crianças dura eternamente, pois, aqueles que morreram somente com o pecado
original estão fixados neste estado para sempre. Esta doutrina foi explicitada
[e não inventada como o desejaria a ‘nova teologia’] pelos grandes teólogos do
século XIII” (palavra limbos col. 1358).
*
Em conclusão, queremos
acrescentar que compreendemos perfeitamente a dor dos pais cristãos que não
puderam batizar seus filhinhos e o desejo que têm de saber alguma coisa mais
sobre o seu destino. Mas como já tivemos a ocasião de dizer, não há necessidade
de inventar fábulas nem, menos ainda, de negar o limbo, para os consolar: o
aprofundamento teológico sobre a questão oferece abundantes motivos de
consolação; trata-se somente de torná-lo conhecido. Sentimo-nos, além disso, no
dever de lembrar a gravidade da hora presente e a ameaça insistente do neo-modernismo,
que hoje parece corromper mesmo os melhores na Igreja. Tudo isso exige, dos que
querem ser e permanecer realmente filhos da Igreja, a mais rigorosa fidelidade
ao seu Magistério e à teologia católica autentica, para não pôr em perigo sua
própria Fé e não cooperar para essa demolição da Igreja por seus inimigos
internos, expressa impropriamente por Paulo VI como “a autodemolição da
Igreja”.
Gregorius
(Revista
SIM SIM NÃO NÃO n° 45 ― Setembro de 1996)
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